v. 19 n. 34 (2000)

Editorial

Quando Walter Benjamin afirmou que a arte de narrar estava chegando ao fim, não imaginava o quanto suas teses Influenciariam os historiadores futuros, que levariam realmente a sério a tarefa recomendada de "escovar a história a contrapelo." De fato, assistimos hoje ao ressurgimento da narrativa, presente tanto no vigor épico de certos romances históricos quanto no tagarelar de personagens, de ficção ou reais. Autobiografias, trajetórias de vida, entrevistas, depoimentos, são recursos dialógicos que vêm se contrapor à monologia da história oficial. Por exemplo, as impressões de um ignorado diplomata e crítico literário sobre a sociedade carioca no segundo império, os sucessos e percalços de um desconhecido camponês no interior do Rio Grande do Sul do século XIX, um outro olhar sobre as práticas de cura populares, conferem à moderna historiografia a imagem de um caleidoscópio onde se refratam inúmeras perspectivas que multiplicam os sujeitos da história. Assim é que, apesar da configuração fragmentária que apresentam, as leituras aqui reunidas ganham unidade e conquistam importância, justificadas que são pelas palavras de Benjamin: "O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história."

É essa forma de resgate da memória, capaz de restabelecer culturas esquecidas do passado e, no presente, de recuperar aquelas relegadas à exclusão, que permite compreender a realidade atual para projetar soluções aos intrincados problemas contemporâneos, como a globalização, paradoxalmente acompanhada pela desunião entre os povos. Afinal, "articular historicamente o passado", como diz ainda o mesmo filósofo, "não significa conhecê-lo como ele foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo."

Zília Mara Pastorello Scarpari

Editora

Publicado: 01.06.2015

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